Joãozinho enfeitiçado

Era uma vez, há muito tempo, um homem próspero. Era um comerciante que sempre tinha fartura de boas mercadorias e fazia sucesso na feira. Era um sujeito de sorte: tinha uma esposa lindíssima e havia construído uma casa enorme, quase um castelo. Para ser feliz, nada mais lhe faltava, exceto um filho. 

Ele e sua amada esposa já tentavam ter uma criança havia algum tempo, mas não conseguiam. Aos poucos, iam perdendo a esperança de que realizariam esse desejo, e tudo indicava que ficariam sozinhos para sempre.

Histórias para crianças - Joãozinho enfeitiçado
Joãozinho enfeitiçado

Para piorar, como se o destino quisesse testar ainda mais sua sorte, surgiu outro problema. Um inverno rigoroso chegou, as mercadorias ficaram mais difíceis de se encontrar e os negócios começaram a desandar. Mesmo com o fim do frio, as coisas não melhoraram. O povo estava sem dinheiro e, mesmo quando havia o que vender, não havia quem comprasse. Com muito esforço, o homem conseguia vender seus produtos por preços baixos, e aos poucos foi ficando preocupado com a possibilidade de não conseguir pagar os impostos.

Certa noite, voltando da feira, encontrou uma velha. Ela usava um lenço escuro na cabeça, seus cabelos eram grisalhos, seu nariz era grande e curvado, e seus olhos pareciam carvões acesos.

“Moço, o que faz por aqui tão tarde da noite?”, perguntou a anciã.

 “Venho da feira, Senhora.”, respondeu ele, continuando seu caminho com tristeza.

 “O senhor parece cansado e abatido. As coisas não estão indo bem?”, insistiu a velha. 

O homem suspirou fundo e respondeu:

“O inverno foi cruel, os negócios não vão bem, e não sei se terei dinheiro para pagar os impostos.”, lamentou-se.

“Ora, meu jovem, acredito que posso ajudá-lo. Tudo vai voltar a dar certo, e dinheiro não vai mais lhe faltar.”, falou a senhora.

“E o que a Senhora quer em troca?”, perguntou o homem, desconfiado. 

A senhora sorriu.

“Daqui a um ano, na mesma época, venho buscar minha recompensa.”, disse ela, enigmática.

O homem concordou.

“Pois bem, vou te dar o que quiser.”

Ele pensava consigo que, se tudo voltasse ao normal, daria à velha dinheiro, mercadorias ou qualquer outra coisa que ela pedisse. E assim, o acordo foi feito.

E, de fato, o homem voltou a prosperar. As feiras voltaram a ficar movimentadas, ele tinha abundância de mercadorias e ainda uma surpresa maravilhosa: sua bela esposa descobriu que finalmente estavam esperando um filho. Ele cuidou dela com todo carinho, e os dois aguardavam a chegada do bebê com grande alegria.

Os meses se passaram e, ao fim do inverno, nasceu um menino, a quem deram o nome de João. Ele era um bebê saudável, e os pais ficaram radiantes com a sua chegada.

Certa noite, enquanto o casal ninava o pequeno João, alguém bateu à porta. O homem abriu e encontrou na soleira a senhora que o ajudou um ano antes.

“Boa noite, senhora, entre. Seja bem-vinda à nossa casa. Então, já pensou no que deseja em troca da sua ajuda?”, disse ele, tentando manter a calma.

A senhora se sentou numa cadeira de madeira, na antessala.

“Já pensei, sim, meu jovem. A recompensa pela minha bondade será o seu filho.”, declarou. 

O homem ficou apavorado. A mulher ouviu e correu para ver o que acontecia.

“Isso não pode ser sério! É nosso filho! Vai tirá-lo de nós? Isso é cruel!”, exclamou a mãe.

“Peçam qualquer outra coisa: joias, pedras preciosas, ervas de terras distantes…”, implorou o homem, mas a senhora não cedeu.

“Para não parecer tão cruel, darei a vocês um prazo. Seu filho ficará com vocês até completar vinte anos. Mas, até lá, ele deve encontrar uma noiva que lhe dê um beijo de amor verdadeiro. Se isso não acontecer até o dia em que completar vinte anos, ele será meu para sempre, e me servirá pelo resto da vida!”, declarou a senhora, desaparecendo em seguida.

“Maldito o dia em que fiz essa promessa!”, amaldiçou o homem. 

Mas era muito tarde para voltar atrás. A única esperança era que Joãozinho encontrasse o amor verdadeiro.

Com o passar do tempo, os pais começaram a se preocupar. Joãozinho cresceu, mas não era muito bonito, como se tivesse sido amaldiçoado. Tinha os dentes tortos, uma sobrancelha mais alta que a outra, e andava mancando de leve. Mas seu coração era puro. Gostava de ajudar as pessoas e era bondoso com todos. Porém, ao contrário do pai, não se interessava pelo comércio.

Quando era pequeno, o pai lhe deu uma gaita que havia pertencido ao avô do menino. Desde então, Joãozinho se apaixonou pela música. Passava o tempo livre tocando e, à medida que crescia, frequentava festas, tavernas e celebrações, onde encantava o povo com sua melodia.

A essa altura, João já era quase um homem feito, e os pais estavam cada vez mais aflitos: havia começado o seu último ano para receber um beijo de amor. Eles não sabiam, porém, que Joãozinho já havia conquistado o coração de uma moça. Nas festas, ela sempre ficava até mais tarde, só para escutá-lo tocar.

Naquele dia, Joãozinho também foi tocar na festa da colheita. O povo aplaudia, dançava e se divertia. Mas seus olhos estavam voltados para uma jovem de cabelos dourados e olhos verdes como esmeraldas. Depois da meia-noite, quando ela se preparava para ir embora, abordou João:

“Você toca tão bem, Joãozinho. Toque mais uma música pra mim?”, pediu a moça.

“Toco sim, mas não aqui. Vamos a um lugar especial, quero lhe mostrar meu cantinho favorito!”, disse ele.

A moça hesitou:

“Tenho medo do escuro…”

“Comigo você está segura. Eu cuidarei de você. Nunca te deixarei sozinha!”, respondeu. 

E ela, por fim, concordou. Foram até o rio, onde se sentaram em sua margem. A água estava calma e o céu iluminado por uma lua brilhante. Joãozinho tocou a música que ela mais gostava, e depois perguntou:

“Posso saber o seu nome?”

“Sou a Aninha.”, disse ela, e o coração de Joãozinho disparou. Soube que ela era filha do guarda florestal, tinha irmãs mais novas e vivia apenas com o pai, pois a mãe havia falecido.

Quando chegaram à casa dela, Joãozinho criou coragem:

“Aninha, você me encanta há muito tempo. É linda, sábia e gentil. Talvez ainda não nos conheçamos tão bem, mas eu cuidaria de você com todo o meu amor. Quer se casar comigo?”

Aninha sorriu:

“Você também me agrada, Joãozinho. Mas só me casarei com você se me trouxer algo tão especial quanto eu mesma.”

Marcaram de se encontrar no dia seguinte, no mesmo lugar. Joãozinho contou tudo ao pai, que lhe sugeriu procurar algo entre as mercadorias valiosas. Ele buscou por muito tempo até encontrar belíssimos brincos de ouro com diamantes.

No dia seguinte, levou-os para Aninha.

“São lindos, mas não são especiais.”, disse ela, sorrindo. “O ouro é valioso, mas há coisas muito mais preciosas para mim. Vou te dar mais uma chance.”

Joãozinho voltou a procurar e encontrou um vestido maravilhoso: azul como o céu e brilhante como a prata. Mas nem isso a convenceu.

“Nem tudo que brilha tem valor verdadeiro. Para o coração, há riquezas maiores.”

Joãozinho ficou triste. Sentou-se e começou a tocar sua gaita, deixando sair uma melodia que sentia no fundo da alma. Foi então que teve uma ideia. Passou a noite inteira compondo uma canção, e pela manhã correu até o rio.

“Então, o que trouxe para mim?”, perguntou Aninha.

— Agora eu entendo que o valor das coisas não está apenas nas joias. Sei o que é mais precioso para você.”, disse Joãozinho. 

E começou a tocar a canção que havia criado especialmente para ela. 

“Essa música é só sua. A música sempre foi aquilo que mais tocava seu coração.”

Aninha sentiu o amor verdadeiro florescer dentro de si.

“Joias qualquer um pode me dar… mas ninguém sabe tocar meu coração como você.”

E então abraçou Joãozinho e lhe disse “sim”.

Pouco tempo depois, celebraram um lindo casamento. Joãozinho recebeu o beijo de amor verdadeiro de sua Aninha — e desde então, viveram felizes, com música e alegria no coração.

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